Apresentação

quinta-feira, 23 de julho de 2015

Um exorcismo de arrepiar

Exorcismo contado por Pe. Gbrielle Amorth

"Exorcizo te, immundissime spiritus, omne phantasma, omnis legio, diz padre Paolo. E de repente, a mulher - que até aquele momento havia permanecido sentada, bocejando e esticando os braços, como se fosse um animal que começa a acordar -, de improviso, unidas as mãos às pontas dos pés, lança-se no ar com admirável elegância, e logo desaba, ziguezagueando como uma serpente no meio da sala e permanecendo deitada. O corpo da mulher encontra-se realmente transformado. Seu rosto é horrível. Súbito, joga-se contra o sacerdote, gritando com voz masculina e possante: "Mas quem és tu, que vens lutar contra mim? Não sabes que sou Isabó, que tenho asas largas e punhos fortes?". E lança contra o exorcista um monte de injúrias.

O exorcista, vencido pela emoção, num primeiro momento sente-se aturdido, mas logo uma nova força o invade e sente-se forte, com espírito combativo, cuja força não tem explicações humanas. Ordena à mulher que se cale.

"Eu, sacerdote de Cristo, ordeno-te, e ordeno a quem quer que sejas, e ordeno-te pelos mistérios da encarnação, paixão e ressurreição de Jesus Cristo, por sua ascensão ao céu, por sua vinda no juízo universal, que permaneças quieto, não faças mal a esta criatura de Deus nem aos assistentes, nem às coisas que lhes pertencem, e obedeça a tudo que eu ordenar."

É quando se inicia um diálogo duríssimo entre o demônio e o exorcista. Um diálogo que tira o fôlego.

"Em nome de Deus, diz-me, quem és tu?"

"Isabó", grita a mulher, com o rosto avermelhado e os olhos como que querendo saltar.

"O que significa Isabó?"

"Tu tens inimigos que..."

A mulher tenta desviar o diálogo, mas a pergunta do exorcista é peremptória.

"O que significa Isabó?"

A senhora morde os braços e as mãos. Tenta agarrar o hábito do exorcista e grita:

 "Significa ter um malefício tão bem realizado que já não é possível separar-se."

"Que poder tens?"
"O poder que me dão."
"Que poder te dão?"
"Muitas forças."
"De quem recebes essas forças?"
"Da pessoa que sabe me esconjurar."
"Mas que tipo de italiano é este?"

A mulher tem um frêmito de indignação.

"Eu não sou italiano", grita sarcasticamente. E solta uma tempestade de injúrias que voltaria a se repetir inúmeras vezes.

O sacerdote continua, sem medo.

"De onde vens?"

"Mas tu falas comigo como se eu fosse teu servo."

"Diz-me de onde vens. Em nome de Deus, desse Deus que conheces tão bem, diz-me de onde vens."

A mulher, ao ouvir o nome de Deus, vira o rosto e permanece imóvel por vários segundos.

"Em nome de Deus, por Seu sangue, por sua morte ...."

"Dos desertos longínquos."
"Estás só ou tens companheiros?"
"Tenho companheiros".
"Quantos?"
"Sete."
"Por que entraste neste corpo?"
"Por um forte amor não correspondido."
"Não correspondido por quem?"
"És um imbecil."
"Responde! Quem não correspondeu a esse amor? "
"Este corpo", grita a mulher, dando um forte golpe no peito.
"E por que não correspondeu?"
Altiva, desdenhosa, soa forte a resposta da mulher.
"Porque isso não é justo."
"Então este corpo é uma vítima."
As palavras do padre são acompanhadas de uma risada horrível. A mulher ri, mas com a boca fechada, assumindo a forma de um focinho de porco cuja aparência gela todos com um estremecimento de pavor. 

"Quando entraste neste corpo?" 

Obrigada pelo exorcismo, em meio a violentíssimas sacudidas, que põem à prova os músculos dos assistentes que tentam sujeitá-la, a mulher responde.

"Em 1913, a 23 de abril, às 5 da tarde."

Segundo a declaração da mulher, um espírito estranho entrou em seu corpo depois do malefício de um bruxo, por meio de uma garrafa de vinho, um pouco de salame e algumas gotas de sangue.

"Invadiste só este corpo ou também outros membros da família?"
"Também os membros da família."
"Dá-me uma prova disso."
"Quando este corpo está mal, também a família sente-se indisposta."
"Por quanto tempo dedicaste a entrar neste corpo?"
"Sete dias."
"Em que lugar sucedeu?"
"Em uma casa daqui."
"Qual?"
"Não perguntes" - grita, assustada, a mulher -, "não podes."
"Então sai!"
"Não, jamais."
[...]
"E num impeto de rebelião, solta-se dos assistentes, lança-se contra o sacerdote, agarra-lhe o hábito e rasga-lhe a estola, gritando: "Gastei sete dias para conseguir entrar e tu queres fazer-me sair deste corpo com um só exorcismo?"
[...]
O sacerdote abençoa a mulher com água benta e ela, como se estivesse queimando em fogo vivo, atira-se ao solo, contorcendo-se.
[...]
"Que devo fazer, se enquanto trabalhas para que eu me vá, outros estão empenhados para que eu fique?"

"Responde, em nome de Deus: quando sairás?"

"Sairei quando tenha vomitado a bola que tenho no ventre."

De que ele fala? Da bola de salame por meio da qual se realizou o malefício. Trazem, então, uma bacia.

"Vomita!"

A mulher, com um salto incrível, coloca-se sobre a vasilha e vomita algo.

"Diz-me, espirito imundo, as palavras que te fazem sofrer mais."

O sacerdote obriga a mulher a vomitar tudo que foi usado no malefício. A possuída volta-se para o exorcista com terror e não responde. Mas quando se repete a pergunta, num arrebatamento de pavor e rebelião, ela grita: "Não!"

O exorcismo dura já demasiadas horas. A mulher está esgotada [...] É noite.

Padre Pier Paolo não tem nenhum motivo par duvidar. [...]
No entanto, diz: "É inimaginável como o espírito do mal pode resistir às armas da salvação e ao comando do sacerdote".
[...]

Fazem-se outros exorcismos nos dias seguintes, violentos e tremendos. No quarto dia, na quarta de 1º de junho, o exorcista quer esclarecer o assunto das plantas. Diz: "No outro dia falaste de três plantas. Onde podem ser encontradas?"

"Não sou eu quem deve lhe ensinar essas coisas."
"Em nome de Deus, fala onde se encontram."

A mulher parece vacilar, como frente a um escrúpulo de consciência; mas acaba dizendo, decidida: "Uma no jardim de..., outra no fundo do rio Pó, a terceira no quintal da casa de...".
"Com quem estão amarradas?"
"Com uma linha de lã branca."
"Quem as amarrou?"
"A primeira, quem pediu o malefício. A segunda, um feiticeiro. A terceira, a que está no fundo do rio Pó, estes braços."
"Quando se desatarão"
"Duas já estão desatadas"
"Quando se destacará a terceira?"
"Enquanto tiver esta coisa (ou seja, a bola que a possuída nunca digeriu), a planta não se desligará."
"E quando sairá a coisa?"
"Quando tu quiseres."
"Quero-o imediatamente. Levanta-te e vomita."

Depois de insistir, a possuída obedece e vomita algo por entre espasmos atrozes. O exorcismo se interrompe por pouco tempo. Aproveitando o breve intervalo, padre Pier Paolo pergunta à possuída se alguma vez havia atado plantas em sua vida.

"Sim, uma."
"Onde?"
"No fundo do rio Pó."
"Com o quê as ataste?"
"Com um fio de lã branca"
"E por qual motivo?"
"Porque me asseguraram que, com essa linha, ligaria meu mal à planta."
"E foi assim?"

"Ao contrário. Assim que atei a planta, não podia me deparar do meu mal. E segui piorando cada vez mais. Mas por que me faz essas perguntas?"
"Porque durante o exorcismo a senhora falou dessa planta."
"Fiz mal em atá-la?"
"Claro, é sempre uma superstição. Sabia que, enquanto atava a planta no fundo do Pó, outros, em algum lugar, ligavam outras duas?"
"Não"
No oitavo exorcismo, padre Pier Paolo pergunta ao diabo: 

"Existem feiticeiros?"
"Sim."
"Que fazem?"
"São pessoas capazes de fazer o mal aos outros."
"Têm poder sobre ti?"
"Sim"
"Têm comunicação direta contigo?"
"Sim."
"Quem deu a esta criatura as coisas enfeitiçadas?"
"N. N." (o mandante).
"Onde ele as deu?"
"Em sua casa, em Piacenza."
"Quem levou as coisas?"
"Uma mulher."

 Tratava-se de uma anciã a quem o demônio descreveu com perfeição. Apresentou-se com vestido e cachecol pretos.

"Antes de te lançarem neste corpo, onde estavas?"
"Em um porta-moedas"
Resposta excêntrica, mas existe uma tradição muito viva na Idade Média, chamada "o diabo no porta-moedas".

"Onde estavas antes de entrar no porta-moedas?"
"Num deserto"
"Que fazias ali?"
"Íamos atrás dos cavalos."
"Atrás dos cavalos?"
"Sim, no deserto próximo da quarta diligência."


O assunto é cada vez mais incompreensível. É verdade que os participantes não estão obrigados a crer em tudo que o espírito diz, mas também é verdade que esta complicada história do porta-moedas, do deserto e dos cavalos suscita uma grande curiosidade em todos, ainda que seja dificil de entender. Por isso, padre Pier Paolo quer, enquanto seja possível, verificar a realidade das coisas. Suspende o interrogatório e, durante um breve intervalo, assim que a possuída volta à consciência, pergunta-lhe:


 "A senhora usou alguma vez no pescoço um porta-moedas?".

A senhora hesita um pouco, mas responde: "Sim, uma vez."
"De quem o recebeu?"
"De N.N." (o primeiro feiticeiro);
"Mas as senhora conhece N.N.?"
"Sim, estive com ele muitas vezes."
"Perdoa-me, mas para fazer o quê?"
A mulher fica vermelha.
"Para que me curasse."
"N. N é médico?"
"Dizem que é um santo, curou muitos doentes."
"E também curou a senhora?"
"Não. Assegurou-me que, se levasse no pescoço o porta-moedas, ficaria curada em pouco tempo. Ao contrário, só piorei."
"Por quanto tempo a senhora levou  o porta-moedas no pescoço?"
"Pouco tempo. Da vila de N.N. à minha casa porque onde me tocava produzia um ardor forte e paralisava o lugar. Meu marido queria que eu o usasse de qualquer jeito, que aguentasse, mas eu, a partir de certo momento, não aguentei mais e o tirei."

"Antes de tirá-lo, viu o que havia dentro?"
"Sim, não havia nada. Acreditei que encontraria alguma imagem sagrada, a relíquia de algum santo, mas só havia, parece-me, um pedaço de papel."


Ao voltar ao exorcismo, a possuída permanece relativamente tranquila, mas quando as orações chegam ao Sanctus, salta no ar de maneira indescritível, ameaçando o exorcista com uivos tremendos.


O padre Justino abandona o trabalho de estenografia para tentar segurar as mãos da mulher, mas não consegue. Dos olhos da possuída sai uma luz de ódio aterrorizante.



No exorcismo seguinte ao de 3 de Junho, o espírito se manifesta malévolo e ofensivo, como na vez anterior. Quanto mais terreno perde, mais ofende o sacerdote, para vingar-se.



"vomita", o padre ordena.

"não posso", responde o espírito.
"Em nome de Deus".
"Não posso, imbecil."
"Em nome de Deus", insiste o exorcista.
Então o demônio obedece.
"Que vomitaste?"
"A saliva com muitos fios."
E levantando os olhos para o sacerdote, a possuída mostra-se muito triste.
"Dentro de pouco vomitarei tudo".
"Vomita!"
A possuída está debruçada sobre a vasilha.
"Que vomitaste?"
"Fizeste-me vomitar quase todo o depósito."
"Então não o vomitaste completamente. Por quê?
"Porque não posso."
"É verdade?"
"Sim."
"Impostor! Por que no outro dia me disseste que havias vomitado tudo? És um impostor que fala uma coisa e faz outra."

Diante desse insulto, a mulher da um salto para atacar o sacerdote, mas os assistentes, já acostumados a esses arroubos, caem por cima dela imediatamente. Começa uma luta terrível. Padre Justino corre a ajudar os assistentes. Passando ao lado do exorcista, aconselha-o a dizer alguma coisa. Agora a mulher luta violentamente, ainda que esteja dominada pelo peso dos assistentes, e grita: 
"Soltem-me, quero dar uma patada naquele ali."

Torna-se tremendamente violenta. A saliva escorre de sua boca. Padre Justino e os assistentes se esforçam penosamente para sujeitá-la, mas quase escapa de suas mãos. Então, também as mulheres correm a ajudar. [...]
As coisas se alongam porque, segundo o que disse o diabo, os outros sete demônios lutam para não ter de abandonar o corpo. Além disso, relata que um dos feiticeiros enterrou quatro ovos e colocou em cima uma pera com palavras misteriosas, que significam: "Não serás livre enquanto não vieres até mim".

[...]

"Que se deve fazer para evitar os malefícios?". O demônio se rebela com força, repetidamente, mas é obrigado a responder: "Ter sobre o peito uma cruz abençoada".

[...]

"Assim foram as coisas. Depois de extenuantes exorcismos, depois de árduas batalhas, em 23 de Junho de 1920  a mulher sente-se livre. Mas tudo terminou?

Não. Infelizmente, não. O demônio que estava dentro dela continuará agindo, semeando morte e destruição. E é essa morte e essa destruição que fazem este caso ser único, merecedor de ser estudado e reestudado."

Do livro "O Ultimo exorcista" - Padre Gabrielle Amorth